ILICITUDE:
OU Antijuridicidade !!!!
É a condição de contrariedade da conduta perante o Direito.
A ilicitude é objetiva no direito penal brasileiro. Ela se refere à contrariedade de uma conduta à norma jurídica. Quando um comportamento está em desacordo com a lei penal, ele é considerado ilícito, independentemente das características pessoais do agente. A análise da ilicitude é, portanto, objetiva e baseada na conformidade do ato com a lei.
A ilicitude pode ser afastada pela presença de causas justificantes, como legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito (art. 23 do Código Penal).
➤ A antijuridicidade é o juízo de valor negativo, ou desvalor, que qualifica o fato como contrário ao Direito.
Exclusão de ilicitude:
Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
BIZU: BRUCE LEEE
As causas de exclusão da ilicitude podem ser:
➤ Genéricas: São aquelas que se aplicam aos crimes em geral, não sendo previstas apenas para um determinado crime ou determinado grupo de crimes. Estão previstas na parte geral do Código Penal, em seu art. 23.
➤ Específicas: São aquelas que são próprias de determinados crimes, não se aplicando a outros. Ex.: Situações de aborto permitido (art. 128 do CP). Nesse caso, tais excludentes (ser a única forma de salvar a vida da gestante OU se tratar de gravidez decorrente de aborto) são previstas apenas para o crime de aborto.
Estado de necessidade
O Brasil adotou a Teoria unitária (que estabelece que o bem jurídico protegido deve ser de valor igual ou superior ao sacrificado, afastando-se em ambos os casos a ilicitude da conduta (estado de necessidade justificante).
Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de ⅓ a ⅔.
Excesso punível Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
REQUISITOS:
a) A existência de uma situação de perigo atual a um bem jurídico próprio ou de terceiro;
b) O fato necessitado (conduta do agente na qual ele sacrifica o bem alheio para salvar o próprio ou do terceiro).
O estado de necessidade pode ser:
Agressivo: Quando para salvar o bem jurídico o agente sacrifica bem jurídico de um terceiro que não provocou a situação de perigo.
Defensivo: Quando o agente sacrifica um bem jurídico de quem ocasionou a situação de perigo.
Real: Quando a situação justificante (as circunstâncias de fato, que autorizariam o agente a atuar em estado de necessidade) de fato existe.
Putativo: Quando a situação justificante (as circunstâncias de fato, que autorizariam o agente a atuar em estado de necessidade) não existe no mundo real, apenas na imaginação do agente.
Alguns pontos importantes !!!
➤ ESTADO DE NECESSIDADE RECÍPROCO: É possível, desde que ambos não tenham criado a situação de perigo.
➤ COMUNICABILIDADE: Existe. Se um dos autores houver praticado o fato em estado de necessidade, o crime fica excluído para todos eles.
➤ ERRO NA EXECUÇÃO: Pode acontecer, e o agente permanece coberto pelo estado de necessidade. Ex.: Paulo atira em Mário, visando sua morte, para tomar- lhe o último colete do navio. Entretanto, acerta João. Nesse caso, Paulo permanece acobertado pelo estado de necessidade, pois se considera praticado o crime contra a vítima pretendida, não a atingida.
➤ MISERABILIDADE: O STJ entende que a simples alegação de miserabilidade não gera o estado de necessidade para que seja excluída a ilicitude do fato. Entretanto, em determinados casos, poderá excluir a culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta diversa (estudaremos mais à frente).
O que é o estado de necessidade exculpante?
Sucede o estado de necessidade exculpante quando o agente sacrifica bem de valor maior para salvar outro de valor menor, não lhe sendo exigível outro comportamento. Aqui observa-se a aplicação da teoria da inexigibilidade de conduta diversa, motivo pelo qual, uma vez reconhecida, não exclui a ilicitude e sim a culpabilidade.
Exemplo: um arqueólogo que há muitos anos procurava por uma relíquia, e para salvá-la de um naufrágio, deixa perecer um dos passageiros. É fato que o sacrifício de uma vida humana não é razoável para salvar um objeto, independente de quanto ele valha.
Mediante a situação exposta, cabe relatar que seria demais aguardar outra conduta do arqueólogo, uma vez que a decisão tomada foi advinda do desespero. Assim sendo, não poderá ser absolvido por excludente de ilicitude, posto que o direito estaria admitindo a supremacia do objeto sobre a vida humana, mas poderá não sofrer punição em razão do afastamento da culpabilidade.
Legítima Defesa
Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Excesso punível Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Alguns pontos importantes !!!
➤ Quando uma pessoa é atacada por um animal? Em regra não age em legítima defesa, mas em estado de necessidade, pois os atos dos animais não podem ser considerados injustos.
Entretanto, se o animal estiver sendo utilizado como instrumento de um crime (dono determina ao cão bravo que morda a vítima), o agente poderá agir em legítima defesa. Entretanto, a legítima defesa estará ocorrendo em face da agressão do dono (o cachorro é apenas a ferramenta da agressão), e não em face do animal.
➤ Com relação às agressões praticadas por inimputável? Sempre caberá legítima defesa em face de conduta que esteja acobertada apenas por causa de exclusão da culpabilidade.
A Doutrina se divide, mas a maioria esmagadora entende que nesse caso há legítima defesa, e não estado de necessidade, pois o inimputável pratica fato típico e ilícito (injusto penal), logo, eventual agressão será considerada injusta, ainda que o agente não tenha culpabilidade.
➤ Na legítima defesa, diferentemente do que ocorre no estado de necessidade, o agredido (que age em legítima defesa) não é obrigado a fugir do agressor, ainda que possa. A lei permite que o agredido revide e se proteja, ainda que lhe seja possível fugir. Ou seja, ainda que o agente pudesse optar por uma saída mais cômoda (commodus discessus), fugindo, isso não afastará a possibilidade de reconhecimento da legítima defesa.
➤ A legítima defesa sucessiva é possível! É aquela na qual o agredido injustamente acaba por se exceder nos meios para repelir a agressão. Nesse caso, como há excesso, esse excesso não é permitido. Logo, aquele que primeiramente agrediu, agora poderá agir em Legítima defesa.
EXEMPLO: José agride Pedro, com socos e pontapés. Pedro, para se defender, dá um soco em José e o imobiliza (legítima defesa). Já estando José imobilizado e sem oferecer qualquer risco, Pedro continua a agredir José (excesso), por estar com muita raiva. José, então, o agressor inicial, poderá agora repelir essa injusta agressão de Pedro (legítima defesa sucessiva).
➤ Não cabe legítima defesa real em face de legítima defesa real, pois se o primeiro age em legítima defesa real, sua agressão não é injusta, o que impossibilita reação em legítima defesa. Ou seja, a chamada legítima defesa real recíproca não é possível.
EXEMPLO: José agride Pedro. Veja, se a agressão de José for injusta, Pedro poderá agir em legítima defesa real. Porém, a agressão de Pedro contra José, naturalmente não será injusta, pois está justificada pela legítima defesa real (causa de justificação, excludente de ilicitude). Logo, José não terá como se defender da agressão de Pedro alegando legítima defesa, pois a agressão de Pedro é uma agressão justa.
➤ Cabe legítima defesa real em face de legítima defesa putativa.
EXEMPLO: A pensa estar sendo ameaçado por B e o agride (legítima defesa putativa), B poderá agir em legítima defesa real. Isto porque a atitude de A não é justa, logo, é uma agressão injusta, de forma que B poderá se valer da legítima defesa (A até pode não ser punido por sua conduta, mas isso se dará pela exclusão da culpabilidade em razão da legítima defesa putativa).
➤ NUNCA haverá possibilidade de legítima defesa real em face de qualquer causa de exclusão da ilicitude real.
➤ Inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra”
É inconstitucional, por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1o, III), da proteção à vida (CF/1988, art. 5o, “caput”) e da igualdade de gênero (CF/1988, art. 5o, I) — o uso da tese da “legítima defesa da honra” em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres, seja no curso do processo penal (fase pré-processual ou processual), seja no âmbito de julgamento no Tribunal do Júri (Informativo 1105).
ADPF 779/DF - julgamento finalizado em 1°.8.2023
Estrito cumprimento do dever legal
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
➤ Assim, o policial tem o dever legal de manter a ordem pública. Se alguém comete crime, eventuais lesões corporais praticadas pelo policial (quando da perseguição) não são consideradas ilícitas, pois embora tenha sido provocada lesão corporal (prevista no art. 129 do CP), o policial agiu no estrito cumprimento do seu dever legal. Da mesma forma, o oficial de justiça que arromba uma porta e entra na casa contra a vontade do morador, ao cumprir um mandado judicial, não comete crime, pois sua conduta não é considerada ilícita, já que praticada no estrito cumprimento do dever legal.
➤ Se um terceiro colabora com aquele que age no estrito cumprimento do dever legal, a ele também se estende essa causa de exclusão da ilicitude. Diz-se que há comunicabilidade.
➤ ATENÇÃO! É muito comum ver pessoas afirmarem que essa causa só se aplica aos funcionários públicos. Errado! O particular também pode agir no estrito cumprimento do dever legal. O advogado, por exemplo, que se nega a testemunhar sobre fato conhecido em razão da profissão, não pratica crime, pois está cumprindo seu dever legal de sigilo, previsto no estatuto da OAB.
Exercício regular de direito
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
➤ Dessa forma, quem age no legítimo exercício de um direito seu, não poderá estar cometendo crime, pois a ordem jurídica deve ser harmônica, de forma que uma conduta que é considerada um direito da pessoa, não pode ser considerada crime, por questões lógicas. Trata-se de preservar a coerência do sistema.
➤ Mas o direito deve estar previsto em lei? Sim! A Doutrina majoritária entende que os direitos derivados dos costumes locais não podem ser invocados como causas de exclusão da ilicitude.
➤ EXEMPLO: A mãe descobre que o filho, de 12 anos, aprontou na escola e resolve colocar o garoto de castigo, trancado no quarto por 08h. Neste caso, a mãe não responde pelo crime de cárcere privado (art. 148 do CP), pois tem o direito de agir assim, dever que decorre de seu poder familiar sobre a criança. Não há “estrito cumprimento do dever legal”, pois a mãe não tinha o dever de fazer isso (poderia optar por perdoar o filho, dar outro tipo de castigo, etc.).
Consentimento do ofendido
O consentimento do ofendido não está expressamente previsto no CP como causa de exclusão da ilicitude. Todavia, a Doutrina é pacífica ao sustentar que o consentimento do ofendido pode, a depender do caso, afastar a ilicitude da conduta, funcionando como causa supralegal (não prevista na Lei) de exclusão da ilicitude.
EXEMPLO: José e Paulo combinam de fazer manobras arriscadas numa moto, estando Paulo na garupa e José guiando a motocicleta. Nesse caso, se José perder a direção e causar lesões culposas em Paulo, não haverá crime, eis que o consentimento de Paulo em relação à conduta arriscada de José afasta a ilicitude da conduta.
➤ O consentimento deve ser válido – O consentimento deve ser prestado por pessoa capaz, mentalmente sã e livre de vícios (coação, fraude, etc.).
➤ O bem jurídico deve ser próprio e disponível – Assim, não há que se falar em consentimento do ofendido quando o bem jurídico pertence a outra pessoa ou é indisponível como, por exemplo, a vida.
➤ O consentimento deve ser prévio ou concomitante à conduta – O consentimento do ofendido após a prática da conduta não afasta a ilicitude.
➤ OUTROS TÓPICOS:
➟ Diz-se, portanto, que o CP adota a Teoria da indiciariedade na relação entre tipicidade e ilicitude, também chamada de teoria do tipo penal indiciário ou teoria da ratio cognoscendi. (A existência do fato típico gera uma presunção (relativa) de que é também ilícito.)
0 Comentários